18.8.06

A parábola do filho pródigo e a saída de Adão do paraíso

Rembrandt

Ary Scheffer


Um homem tinha dois filhos.
O mais jovem disse ao pai: ‘Pai, dá-me a parte da herança que me cabe’. E o pai dividiu os bens entre eles. Poucos dias depois, ajuntando todos os seus haveres, o filho mais jovem partiu para uma região longínqua e ali dissipou sua herança numa vida devassa. E gastou tudo. Sobreveio àquela região uma grande fome e ele começou a passar privações.
Foi, então, empregar-se com um dos homens daquela região, que o mandou para seus campos cuidar dos porcos. Ele queria matar a fome com as bolotas que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava.
E caindo em si, disse: ‘Quantos empregados de meu pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome! Vou-me embora, procurar o meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra o Céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho. Trata-me como um dos teus empregados’.
Partiu, então, e foi ao encontro de seu pai. Ele estava ainda ao longe, quando seu pai viu-o, encheu-se de compaixão, correu e lançou-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos. O filho, então, disse-lhe: ‘Pai, pequei contra o Céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho’.
Mas o pai disse aos seus servos: ‘Ide depressa, trazei a melhor túnica e revesti-o com ela, ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. Trazei o novilho cevado e matai-o; comamos e festejemos, pois este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi reencontrado!’ E começaram a festejar.
Seu filho mais velho estava no campo. Quando voltava, já perto de casa ouviu músicas e danças. Chamando um servo, perguntou-lhe o que estava acontecendo. Este lhe disse: ‘É teu irmão que voltou e teu pai matou o novilho cevado, porque o recuperou com saúde’. Então ele ficou com muita raiva e não queria entrar. Seu pai saiu para suplicar-lhe.
Ele, porém, respondeu a seu pai: ‘Há tantos anos que te sirvo, e jamais transgredi um só dos teus mandamentos, e nunca me deste um cabrito para festejar com meus amigos. Contudo, veio esse teu filho que devorou teus bens com prostitutas, e para ele matas o novilho cevado!’
Mas o pai lhe disse: ‘Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. Mas era preciso que festejássemos e nos alegrássemos, pois esse teu irmão estava morto e tornou a viver; ele estava perdido e foi reencontrado!’»
Lucas 15, 11-32

A parábola
Esta é uma das mais importantes e abrangentes parábola do Novo Testamento. Apresenta-se uma versão da expulsão de Adão do Paraíso, vista pelos olhos de um evangelista — Lucas . Uma adaptação da passagem de Adão à nova aliança de Jesus com um Deus Pai, Bom e Compreensivo, que compreende o caminho evolutivo tomado por seu Filho, e que o espera e recebe-o de volta de braços abertos! Este é bem um ensinamento de Jesus! Só poderia ter sido transcrito por Lucas, por isso que esta parábola é exclusiva deste Evangelho, não havendo referencia a ela em nenhum dos outros. Tal fato vem corroborar a atual interpretação, que passaremos agora a analisar passo a passo.
Trata-se da representação do processo evolutivo pelo qual nós estamos passando neste eon. Mostra a passagem do Ser de um reino a outro reino, de um reino do tipo sub-hominal para o reino hominal. Esta passagem é caracterizada pelo processo evolutivo, no qual o Ser passa de um estado de harmonia com o Todo, no qual não tem consciência disto, para um estado no qual estará em harmonia com este mesmo Todo, porém conscientemente.
A casa do Pai
A parábola começa mostrando que na Casa do Pai, a mônada espiritual vivia em harmonia, sem necessidade de prover sua subsistência da mesma forma que Adão no Paraíso! Aqui a mônada é o filho de um Pai que lhe é semelhante. Somos emanações da Divindade. O Filho na casa do Pai é semelhante a esse pai e guarda em si as potencialidades Dele. A tendência evolutiva normal do filho é crescer e se identificar com este Pai.
O despertar
Um dia, em um dos filhos (não em todos), desperta o desejo do conhecimento; de tornar-se consciente de sua situação, de suas necessidades, de sua evolução, de conhecer da árvore do Bem e do Mal! Este pede ao Pai a sua Vida, para que, usando-a, adquira essa consciência.
Pedindo a Vida
As traduções da Vulgata interpretam este pedido como "herança", dando uma conotação material no pedido do filho. No texto original grego, do evangelho de Lucas, o que o filho pede ao pai é ousia (do verbo ienai que significa "ser"), parte do ser. Logo adiante, quando o pai divide os bens, a palavra é taxativa: bios o que o filho pede verdadeiramente ao pai é a Vida! Ou, numa interpretação mais atual, o Self.
Consessão
O Pai concede sua parte da Vida, para que faça dela o que em sua consciência lhe aprouver. Para que a use para o bem e para o mal, para a harmonia e para a desarmonia, para que pelo seu sofrimento, malbaratando sua vida, chegue um dia à conclusão de que a vontade da Casa do Pai é realmente a sua vontade. Para que possa um dia dizer "Eu e o Pai somo um"!
Identificação
Assim o Filho parte da casa do pai para vivenciar este eon da sua evolução, que é essencialmente o período evolutivo pelo qual todos nós estamos passando. Neste eon a Humanidade caminha para conscientemente participar da Harmonia da Casa do Pai. Saindo de casa do Pai de posse da Vida (ou Self), penetra no mundo da satisfação dos sentidos. Afastando-se cada vez mais do Todo e identificando-se cada vez mais com seu ego, com a sua persona. Assim gasta toda a sua vida, vindo a passar privações — porque sobreveio uma grande fome. Situação inevitável neste caminho descendente.
A descida
Estando já de posse da Persona, senhor da sua identidade e no máximo do seu egoísmo, ao invés de retornar à casa do Pai, busca encontrar o caminho por seus próprios meios, tornando-se empregado dos homens da região do mundo, os quais, por sua vez, o designam para cuidar de porcos imundos.
Tomada de consciência
Nesta situação de máxima degradação, busca "encher seu estômago" (esta é a expressão da parábola) com as vagens que eram dadas aos porcos. Essa associação com estes homens nem mesmo enchia sua barriga. Não busca aplacar a fome, mas encher o estômago, como alguém que ainda está identificando a si mesmo como o seu ser material. Esta é a degradação final do Ser que desceu ao fundo do poço de identificação com a matéria. Associa-se a Lúcifer (porta luz), que é o homem dessa região. Este pode ser identificado com nossa fase de materialismo, de excessiva auto-confiança, de crença cega na ciência e na tecnologia. Que tem tentado encher a barriga do homem sem jamais aplacar a sua fome.
Neste momento, "voltou-se para dentro de si" (a citação é literalmente esta) e disse: "quantos empregados de meu Pai têm pão com fartura, e eu aqui passando fome! Vou embora procurar meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho. Trata-me como um dos teu empregados". Este é o grande momento da parábola, onde o Filho Pródigo compreende que o caminho para a sua felicidade está dentro de si. Que é por dentro de si que vai poder retornar à paz e à harmonia da Casa do Pai.
O verdadeiro despertar
É o despertar, após um atroz sofrimento. Este verdadeiro despertar vem aqui acompanhado de um sentimento puro, de dentro do coração, que pede perdão, que sabe que pecou contra o céu e contra o pai, e que humildemente não se julga mais digno de ser o filho, mas um empregado. Não tem nada mais a ver com qualquer busca de satisfação ou de realizações mundanas.
O retorno
"Partiu ao encontro do Pai!" "Ainda estava longe, quando o Pai o viu, encheu-se de compaixão, correu e lançou-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos". O pai o identifica à volta desde o momento inicial, mas o Filho Pródigo não está visível desde o inicio da jornada de volta. O Pai o vê ainda que muito longe! Enche-se de compaixão, lança-se-lhe ao pescoço, transmitindo-lhe o poder do verbo pela ativação do plexo laríngeo, para que possa, a partir daí, ter o poder de construir pela palavra. Aqui há uma analogia com o momento da entrada da era de Aquário, onde tem início o poder da palavra falada. Cobrindo-o de beijos, devolve-lhe a Vida que lhe faltava, por compaixão!
A recepção
O pai diz aos servos: ide depressa, trazei a melhor túnica e vesti-o com ela; ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. O pai então manda que a natureza (seus servos) o vistam com a melhor túnica, para que tenha a melhor vestimenta que este mundo lhe pode dar. Que lhe coloquem no dedo um anel, uma aliança que sele o matrimônio (que se formou na aventura) do Ego com o Eu maior. Sandálias, para que seja elevado além das coisas deste mundo de onde veio. Que matem um novilho — encerrem a era de Touro, Era do Deus terrível! Festejemos todos esta evolução!
O filho mais velho
O filho mais velho só identifica a festa de muito perto, mostrando como são pequenos seus recursos. Chamando um servo, este lhe conta o retorno do irmão e a festa do pai. É um servo do pai, a própria natureza, que honestamente lhe expõe no que ficou. "Não queria entrar e o pai saiu para suplicar-lhe". Mostrando que nunca fez distinção entre os filhos.
— "Há tantos anos que te sirvo e jamais transgredi um só dos teus mandamentos, e nunca me deste um carneiro para festejar com meus amigos. Veio teu filho, que devorou teus bens com prostitutas e para ele matas o novilho cevado!"
O interessante deste diálogo é que o Filho mais velho não mais se identifica como irmão do Pródigo, e se refere a ele como "teu filho".
Exortação
O pai termina a exortação ao filho dizendo: "Teu irmão estava perdido e foi achado, estava morto e viveu!". De novo o pai afirma "teu irmão", não negando a oportunidade de desenvolvimento àquele que ficou. Estava morto e viveu — descobriu a vida eterna (Imanente), à qual tantas e tantas vezes Jesus se refere em seus sermões.
Interpretação de José Carlos Fragomeni

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