11.10.09

O Tic Tac das tecnologias sustentáveis

Tião Rocha é um homem simples e que gosta de desafios. De fala calma, ele parece estar sempre silenciosamente inquieto. É um sujeito que gosta de colocar as coisas em prática para ver se funcionam. Há mais de duas décadas, Tião resolveu testar algumas idéias nas quais sempre acreditou.

Fundado na década de 80, o Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD) é um laboratório de experiências educacionais. A idéia fundadora era mexer em receitas prontas, em idéias estabelecidas no status quo. O modelo escolar tradicional não era suficiente para o que ele imaginava ser o verdadeiro sentido da Educação.

Os primeiros passos do CPCD foram questionar os elementos mais básicos da forma e estrutura de aprendizado. É possível ter uma escola sem muros, debaixo de um pé de manga? As “aulas” podem ser dadas em uma roda? É preciso que alguém ocupe o papel de professor?

Com origem na cidade de Curvelo, na região central de Minas Gerais, as iniciativas do CPCD logo se expandiram para outras cidades, estados e países. Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, uma das regiões com menores indicadores sociais do mundo, é onde tomam forma alguns dos projetos mais interessantes de Tião e sua equipe. “A cidade é exportadora de mão de obra, principalmente de corte de cana. A grande renda da região é o trabalho sazonal. O que gera problemas sociais e culturais dos mais variados. O projeto Arassussa quer construir um lugar sustentável que ofereça condições para que as pessoas não precisem buscar sustento em outros lugares. O corte de cana deve ser a última saída”, explica Tião.

As fabriquetas, um dos braços do CPCD, funcionam “como núcleos de produção de tecnologias populares, com características e funções comunitárias, que visam o fortalecimento da renda familiar.” Em cada uma delas jovens aprendem mais do que simplesmente executar um trabalho: aprendem a se envolver e a conquistar a auto-suficiência. Esses núcleos estão debaixo de um guarda-chuva maior, a Cooperativa Dedo de Gente, responsável por organizar e coordenar as ações. As áreas nas quais atuam são diversas: artesanato, moda, bambuzeria, produção de doces e geléias e outras.

Nas fabriquetas os jovens entram como aprendizes, depois tornam-se jornaleiros, até virar mestres. A partir daí eles caminham de forma independente e com autonomia para vender o serviço. A lógica que norteia o espírito das fabriquetas segue alguns princípios marxistas, sem constrangimento nenhum, de acordo com Tião: a cada um segundo a sua necessidade, a cada um segundo a sua capacidade.

A partir do momento em que elas estão consolidadas, cada um deve ganhar ao menos um salário mínimo por quatro horas de trabalho. Depois que há esse equilíbrio, aí o que vale é a capacidade e a vontade de ganhar mais. Há um processo para se obter a base de sustentação do grupo, que atualmente é composto por 100 jovens em todas as unidades: 50 em Curvelo e 50 em Araçuaí.

As ações do CPCD englobam ao todo milhares de jovens no interior de Minas Gerais e de São Paulo. Atualmente, as fabriquetas envolvem 72 jovens (29 em Araçuaí e 43 em Curvelo). Dentro desse universo, um dos projetos, do qual participam apenas 20 jovens, pode parecer pequeno, mas ganha relevância pelo desafio ao qual se propõe.

Fabricar softwares no Vale do Jequitinhonha

A Fabriqueta de Softwares surgiu de uma inquietação de Tião. “Eu tinha acabado de ler o livro O Mundo é Plano, e, conversando com Aerton Paiva, ele contou que teve um encontro com o diretor da IBM no Brasil, e que ficou sabendo que a empresa estava pensando em construir uma fábrica de software em campinas. Então eu perguntei ‘Por que Campinas?’ Campinas já tem a Unicamp e toda uma estrutura favorável. Quero ver você fazer isso no Vale do Jequitinhonha”. A provocação foi lançada: se os meninos de Araçuaí podem aprender a fazer artesanato, por que não podem aprender a fazer tecnologia? Foi a partir desse momento, com aquele “por que não?” na cabeça que Tião deu início à fabriqueta. Era a hora de superar a visão de que trabalho e renda só poderiam surgir de atividades tradicionais.

No fim de 2007, inserida dentro do projeto Arassussa (criado pela união de 15 instituições brasileiras, ligadas a fundação Avina), a Fabriqueta de Softwares foi criada com o mesmo objetivo das outras: inventar maneiras de manter os trabalhadores na cidade e impedir a evasão constante em função do corte de cana. Ou seja, para manter os jovens e adultos na cidade era preciso que fossem criadas novas atividades e novos mercados: uma economia solidária, sustentável, durável, emancipatória e permanente.

Os 20 jovens que integram o projeto começaram aprendendo o básico. Com o tempo foram aprofundando o nível de complexidade das linguagens de programação. Foram aos poucos se transformando em prestadores de serviço. Atualmente desenvolvem sites de projetos que existem em Araçuaí, como o Caminho das Águas, bancos de dados, sistema de monitoramento de ingressos do cinema da cidade e programas de monitoramento de gastos (as novidades podem ser acompanhadas no blog mantido pelos jovens: http://circulandoarassussa.blogspot.com/). São os chamados softwares de pequena complexidade. O objetivo é aumentar a complexidade e atender as demandas da cidade, um mercado ainda intacto.

A Índia é um exemplo de que o sonho não era impossível. Atualmente, o país é um dos maiores centros de Tecnologia da Informação do mundo e ocupa papel similar ao Brasil no cenário mundial. O país asiático, longe de ocupar um lugar favorável no ranking de IDH (127º), resolveu investir em uma atividade econômica de certa forma inusitada para suas condições. Foi a maneira que os indianos encontraram de romper a fronteira entre países industrializados e prestadores de serviços e os exportadores de bens primários.

Washington Rodrigues, um dos educadores do CPCD, afirma que o primeiro ano do projeto foi de exercício e aprendizagem tecnológica. Ele afirma que a metodologia do grupo segue os seguintes passos: "Dividir tarefas, fazer um planejamento conjunto, discutir como aconteceu - e está acontecendo a inclusão digital do grupo, participar de atividades que estimulam a solidariedade, trabalhar em grupo e valorizar a cultura local, para que possam ser profissionais com uma visão mais ampla de seu papel na comunidade".

A empresa paulistana Giral, especializada em gestão de projetos de sustentabilidade, foi uma das parceiras no desenvolvimento e instalação da fabriqueta. “Como próximos passos, os jovens irão estagiar em diversos projetos sociais da cidade, criando soluções tecnológicas para os mesmos. Continuando a formação, irão adentrar o mundo dos jogos eletrônicos, com o objetivo de desenvolver ferramentas educativas. A base desse trabalho são os Bornais de Jogos desenvolvidos pelos educadores do CPCD para trabalhar temas escolares como matemática e linguagem, além de questões importantes como convivência, sexualidade e cultura de paz”, afirma Carol Rolim, uma das coordenadoras do Giral

A internet como ferramenta de transformação

Apesar de já ter chegado longe (em 2007 ganhou o prêmio Empreendedor Social 2007 ), Tião sabe que é sempre bom relativizar e desconfiar das coisas. O olhar matuto. O olhar do antropólogo.

Para ele, a Internet é apenas mais uma ferramenta. Ela pode ser usada para o bem ou para o mal. Nessa área, ele segue a tradição: sem o real, o virtual não existe. “O fato de ter acesso não torna as pessoas melhores. Uma vez, numa roda de conversa com alguns jovens, uma adolescente disse que participava de 250 comunidades no orkut. E aí eu perguntei, 'e no seu bairro, você participa de algum grupo? Da escola de samba? Da associação de moradores? Do time de futebol?'”

E foi por isso que Tião passou a utilizar a teoria do TIC TAC. Para ele, os jovens hoje estão cheios de TICs (Tecnologia de Informação e Comunicação), mas sem os TACs (Tecnologia de Aprendizagem e Convivência) esse relógio não vai funcionar direito. Foi levando os tics e os tacs em conta, que a equipe do CPCD concluiu que Araçuaí precisava de algo além de uma simples Lan House ou um telecentro (TIC). "Bom, isso é o que se faz normalmente. Mas não queríamos isso", afirma. Era necessário mais do que o acesso, era preciso um envolvimento maior: gerar renda, perspectivas e criar um mercado. O projeto tinha que alargar o futuro dos meninos (TAC). Ao invés de criar uma Lan House, resolveram criar então uma fábrica de softwares.

Tião concorda que a internet traz no seu DNA a idéia de descentralizar e de agir independentemente. Quanto mais abertas forem as novas tecnologias, mais interessante será para os jovens. Ele cita o exemplo do autor indiano Sugata Mitra e do livro Um Furo na Parede (Tião assina a orelha da edição brasileira). “Quando você quebra muros, favorece relações mais horizontais. Isso gera uma série de possibilidades”, afirma.

Em vários aspectos Tião remonta personagens das páginas de Guimarães Rosa. E assim como o escritor mineiro ele gosta de inventar palavras. “Empodimento” é uma das suas preferidas. Ela surgiu da constante resposta que o educador dava aos jovens que ainda não eram certos da liberdade que tinham: “pode fazer isso, Tião?”. “Pode, sim. Pode tudo.”

>> Acesse mais informações: http://www.fabriquetadesoftware.com.br/
tags: Araçuaí MG cultura-e-sociedade computador internet inclusao-digital fabriqueta vale-do-jequitinhonha aracuai tiao-rocha cpcd pobreza comunidade sustentabilidade sustentavel digital pedagogia jovens

Por Sergio Rosa

2 comentários:

ONG CRESCER PARA O FUTURO disse...

ola, sou da ONG CRESCER PARA O FUTURO somos uma entidade que apoaia educacionalemnte crianças de 06 a 14anos mm Ilha Comprida litoral sul de sao paulo,nossa missao é ajudar a trasnformar essas crianças em cidadaos conscientes e transformadores de sua realidade, estamos inseridos em uma regiao de APA, onde o grande desafio é o desenvolvimento sustentavel, gostei muito desta iniciativa e gostaria de interagir com voces para ter acesso a novas tecnologias e ideias em relação ao desenvolvimento sustentavel, aguardando seu contato nos colocamos a disposição um grande abraço

Unknown disse...

Lula, de Araçuai conheço outro projeto interessantíssimo ligado à permacultura que é o Sítio Maravilha. Tenho vontade de ir lá conhecer o projeto pessoalmente pois já possuimos um capital social competente para alavancar um projeto semelhante aqui. Estou firmada na ONG Instituto Casa Santa que trabalha há uma década na área mais pobre da região metropolitana de Belo Horizonte com atendimento a públicos diversos, de adolescentes a senhoras remanescentes de uma antiga colônia de hansenianos. O trabalho é muito bonito e o seu blog está sendo útil para sinalizar uma direção no seguimento. Obrigada!