17.10.07

Das Deusas ao Patriarcado

Johfre

A agricultura estabeleceu-se definitivamente em 6500 a.C. Presume-se ter sido uma invenção da mulher, devido às constantes ausências do homem. Com o passar do tempo, os homens foram se dando conta de que, matando sistematicamente os animais, poderiam provocar a sua extinção. Começaram então a domesticá-los e foram abandonando a caça, com isso, a agricultura ganhava mais importância. Acreditava-se que a fecundidade da mulher influenciava a fertilidade dos campos. Tal associação fez com que ela alcançasse um prestígio nunca antes experimentado. A mãe era a personagem central nessa sociedade. A mulher, assim como a Deusa, tornava-se poderosa no imaginário da época. Não mais tendo que arriscar a vida como caçador, os valores viris do homem não eram enaltecidos, daí a ausência de deuses masculinos. As súplicas e sacrifícios eram dirigidos à Deusa e toda atividade econômica estava ligada ao seu culto. Os homens não tinham motivos para se sentir superiores ou exercer qualquer tipo de opressão sobre as mulheres. Continuavam ignorando sua participação na procriação e supunham que a vida pré-natal das crianças começava nas águas, nas pedras, nas árvores ou nas grutas, no coração da terra-mãe, antes de serem introduzidas por um sopro no ventre de sua mãe humana. A Deusa-Mãe reinou absoluta por todo o mundo desde o fim do período paleolítico até o início da idade do bronze. Esse fato está diretamente ligado ao desenvolvimento da agricultura, fazendo com que os valores da vida se tornem predominantes e vençam o fascínio da morte. O Universo era uma mãe generosa. A Deusa o governa, proporcionando bem-estar a seu povo. Através da arte neolítica, percebe-se que o objetivo da vida não é a conquista e o domínio, nem o propósito da Deusa é o de exigir obediência, punir e destruir, mas, ao contrário, o de dar. É o cultivo da terra e o fornecimento de meios materiais e espirituais para uma existência satisfatória. A ausência de imagens de dominação ou guerra, reflete uma ordem social em que homens e mulheres trabalhavam juntos, em parceria igualitária, em prol do bem comum. Quando abandonaram a caça, os homens começaram a participar das atividades das mulheres. Inicialmente ajudavam na árdua tarefa de desbravar a terra com enxadas de madeiras, o que exigia bastante força física. Tempos depois, domesticaram os animais e os incorporaram à agricultura, usando um arado primitivo. A convivência cotidiana com os animais, fez com que percebessem dois fatos surpreendentes: as ovelhas segregadas não geravam cordeiros nem produziam leite, porém, num intervalo de tempo constante, após o carneiro cobrir a ovelha, nasciam filhotes. A contribuição do macho para a procriação foi enfim descoberta, mas não apenas isso. Os homens perceberam que um carneiro podia emprenhar mais de cinqüenta ovelhas! Com um poder similar a esse, o que o homem não conseguiria fazer?
Não é difícil imaginar o impacto dessa revelação para a humanidade. Após milhares de anos acreditando que a fertilidade e a fecundação eram atributos exclusivamente femininos, os homens constatam surpresos que o que fertiliza uma mulher é uma substância nela colocada: o sêmen do macho! A partir daí há uma ruptura na história da humanidade. Transformam-se as relações entre homem e mulher, assim como a arte e a religião. O homem, enfim, descobriu seu papel imprescindível num terreno onde sua potência havia sido negada. A superioridade física agora encontra espaço para se estender à superioridade ideológica. Os mais de quinze mil anos de paz, onde homens e mulheres viviam em harmonia consigo mesmos e com a natureza, foram encerrados quando um deus masculino decretou que a mulher era inferior ao homem e que deveria ser subserviente a ele. Dividida, assim, a humanidade em duas partes, feminina e masculina, com o domínio de uma sobre a outra, todas as relações humanas se adaptariam a esse modelo.
Esse texto é do livro A Cama na Varanda de Regina Navarro Lins.

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